segunda-feira, agosto 28, 2006

Repensar o voto

Ótimo texto sobre o Voto Nulo que reproduzo abaixo.
"Repensar o voto
(MESSIAS N. SANTIAGO)
Não é utopia nem é desvario: a revolução político-social é possível; está às nossas mãos, justamente às nossas mãos, homens do povo; e o mais admirável de tudo: podemos realizá- la sem que um só tiro se dispare, sem que um nada de sangue se derrame.
Mas, como não se trata de mágica, sua realização demandará o emprego de uma certa arma de ataque. Seu nome: voto nulo. O Brasil caminha entre as nações mais pobres e injustas do mundo, embora não lhe falte enorme potencial para, sem grande estorvo, fazê-lo trilhar caminho diverso.
Cinco séculos são passados desde a invasão européia. De lá até os dias de hoje, não tivemos um só governo que efetivamente tomasse a ombros os interesses soberanos da pátria, diante do imperialismo estrangeiro, e nem que, sem mistificação, se firmasse sempre ao lado das classes sociais mais sofridas.
Alcançada a Independência, no primeiro quartel do século XIX, e, mais depois, a República, instituiu-se o voto popular, ímpar instrumento, anunciava-se, pelo qual os destinos do país estariam entregues a seus legítimos donos, o povo. Verdade? Farsa, pura farsa.
Realmente, só se instituiu o voto popular porque bem se sabia que esse remédio, em face da inconsciência política de vasta porção das massas, de modo algum lograria afetar o jogo do poder, empalmado, naturalmente, pelas classes dominantes. Instituído o voto, instituíram- se também os partidos. Mais farsa.
Os partidos não são partidos, no sentido próprio de que cada um significa um projeto distinto de ação política. Afora alguns nanicos (que, porém, como tais, perigo algum oferecem ao establishment), todos representam os mesmos interesses, que simplesmente são os das elites.
Poder-se-á arguir, em contraposição, que seus estatutos lhes conferem individualidade, além de se inspirarem em ideais patrióticos. Mera astúcia. Estatutos não são senão palavras, meras palavras.
Neste quadro, forçoso é concluir que, hoje, PMDB, PFL, PSDB, PTB, PL e assemelhados (a cujo seio assomou agora a mais nova graça da corrupção nacional, chamada PT) constituem todos um só partido, um só clube. Tudo farinha do mesmo saco. Tudo uma só mixórdia.
Posto isso, indaga- se: como devemos votar nas eleições que se avizinham? “Se não há partido bom, votemos no menos ruim”, dirá algum coração mais magnânimo. Ora, é precisamente essa armadilha que nos preparou o “partido único”.
Sendo de somenos os caracteres distintivos de cada partido, e sendo o mesmo o fito de todos, resta concluir, insista- se, que todos se igualam.
O mais ruim e o menos ruim são essencialmente uma só coisa, ruim. A irrelevante diversidade de cada um, então, não passa de genuína fraude eleitoral, visando a dar ao eleitor descontente o ilusório entendimento, a cada pleito, de que, mudando de candidato ou de partido, estará operando alguma mudança real.
E, com isso, o inocente eleitor se torna instrumento de execução da filosofia desses partidos, buscada em Lampedusa, segundo a qual, “para tudo continuar a mesma coisa, faça-se de conta que se irão mudar as coisas”.
Mais às claras: para que subsistam intocáveis os privilégios das elites, estas fazem com que os seus partidos prometam e de fato operem mudanças – todas, porém, conforme se descobrirá após a tomada do poder, rigorosamente superficiais e inócuas.
Ao cabo, o único caminho deixado aos oprimidos, se quiserem escapar ao cruel jogo do poder de que se tornaram prisioneiros, é atirarem contra as elites a mesma arma que estas instituíram para dominá-los: o voto; mas não o voto ingênuo, que as deleita, e sim o voto revolucionário, que as pode subjugar; seu nome: voto nulo.
Siga-se o raciocínio: se a maioria dos eleitores votar nulo, nula fica a eleição; eleição nula é nova eleição; nova eleição implica na obrigatoriedade de efetivas e substanciais alterações no malcheiroso prato de promessas antes oferecido ao povo, à pena de este tornar a refugá-lo, isto é, tornar a votar nulo, com a eclosão, neste caso, de um extraordinário fenômeno: o acuamento do poder e a inviabilidade do sistema de dominação.
José Saramago, único prêmio Nobel da língua portuguesa, é um dos mestres que advogam a tese do voto nulo, conforme o expõe em “Ensaio Sobre a Lucidez”, seu mais novo livro.
A seu tempo, em reportagem publicada no dia 29/9, o “Jornal do Brasil” revelou que igualmente agitam essa patriótica bandeira ilustres intelectuais e representantes da nossa ciência política, como Plínio Arruda Sampaio, Chico de Oliveira e Paulo Arantes.
A lógica do voto (entenda-se, a do chamado voto válido) é a própria lógica da esmola, a saber: assim como a esmola alimenta a miséria, assim o voto dá vida e perpetua o iníquo sistema político, econômico, moral e social que hoje temos.
O voto nulo é simplesmente isto: um tratamento de choque, que a dramaticidade do quadro atual impõe considerar. Pondere-se: onde o caminho não leva a lugar nenhum, outro caminho é preciso.
Confiante em que o generoso leitor não me tome por exagerado, finalizo estas linhas evocando a frase- título de um texto de Jean-Paul Sartre, um dos mais lúcidos pensadores do século XX: “Eleições, armadilha para otários”.
Mas, se Sartre o melindra, fique então com as palavras menos rudes do acatado filósofo italiano Gianni Vattino, proferidas recentemente: “A democracia tal como a praticamos já não funciona; transformou-se em um sistema que idiotiza as pessoas para criar consensos favoráveis às classes governantes”.
Leitor amigo, desculpe-me, mas, se você vai mesmo votar nulo, votando nos nulos partidos que aí estão (certeza de que nada mudará), por que não arrisca um passo à frente e vota nulo de verdade (chance de que muito poderá mudar)?"

Procurador de Justiça de Minas Gerais aposentado.
http://www.otempo.com.br/opiniao/lerMateria/?idMateria=47087