quarta-feira, abril 13, 2005

Um desabafo


Prezado Homero,

li seu desabafo ("Pamonhas") na comunidade Brasil do Orkut e depois visitei aquele seu blogger. Concordo e apóio. Mais tarde, quero ver o que posso fazer p/ ajudar. Mas, no momento, estou pra lá de aflito com minha própria situação. Quatro burocracias parecem estar conspirando para me deixarem na miséria. Você não pode dar uma força?

Só p/ seu conhecimento, estou atachando um resumo do meu caso em Brasília -- o mais grave desses 4. Já atenderam uns 15 mil anistiandos e eu, com o nº 2.552, continuo na fila. Estão de sacanagem comigo... mesmo!

Quanto à carta abaixo, se você concordar, por favor, espalhe por aí. Quanto mais gente ficar sabendo, melhor.

Desde já agradeço.

Um forte abraço!

Celso


Nota do autor do Blog.

Trancrevo aqui um desabafo de alguém , sem que isto tenha de opção ideológica ou tendência deste Blog , mas para mantermos um espaço aberto para que todos possam se expressar livremente e sem cabrestos , apenas isto.

RESUMO DO CASO

1. Meu pedido de anistia foi protocolado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em 31/10/2001, recebendo o nº 2001.01.02552. Além daquilo que quase todos os outros requerentes também alegam (torturas e prisão por motivos políticos – totalizando, no meu caso, quase 12 meses), queixei-me de:
· ter sofrido ruptura do tímpano do ouvido direito durante sessão de torturas na PE da Vila Militar. Isto me causou uma lesão permanente (audição prejudicada) e um distúrbio temporário (labirintite). Passei por três cirurgias. Em termos profissionais, fiquei impedido de atuar como jornalista em rádio e TV, o que reduziu em muito o meu mercado de trabalho. E, mesmo na imprensa escrita e em comunicação empresarial, tive freqüentes problemas por não entender direito o que os entrevistados me diziam;
· haver sido coagido, sob tortura, a escrever carta de arrependimento e aparecer em rede nacional de TV aconselhando os jovens a não ingressarem na guerrilha. A carta foi redigida no final de junho/1970, sob espancamento e ameaça de morte, um ou dois dias depois que me estouraram o tímpano e em meio à gritaria de uma companheira sendo torturada com choques elétricos. Mantido incomunicável desde o dia da minha prisão (16/04/1970), eu estava muito debilitado. Além disso, legalmente ainda era menor (19 anos) e jamais poderia ter participado de um ato desses sem assistência jurídica nem aconselhamento familiar. Como conseqüência disso e dos boatos de que teria sido eu o delator da área de treinamento guerrilheiro da VPR em Registro (SP), acabei sendo visto por muitas pessoas como um dos responsáveis pela derrota da luta armada no Brasil – um bode expiatório. Tive de fazer toda minha carreira profissional cercado de discriminação e preconceitos, que me levaram a perder boas oportunidades e impediram por 14 anos que eu trabalhasse em veículos da grande imprensa.
2. Quando ingressei com meu pedido de anistia, não havia no programa do Ministério da Justiça nenhuma menção a critérios de prioridade, de forma que o agendamento dos julgamentos deveria ter obedecido à ordem cronológica.
3. Só em 06/05/2002 uma portaria interministerial deu à Comissão um embasamento legal para adotar outros critérios de prioridade. É duvidoso que essa portaria, definida a posteriori, pudesse aplicar-se aos pedidos já protocolados, mas foi o que aconteceu.
4. E nem mesmo a portaria foi respeitada pela Comissão, que até setembro/2004 jamais havia pautado julgamentos a partir do primeiro – e, portanto, principal – critério de prioridade definido na portaria: “desemprego”. A Comissão vinha priorizando principalmente “idade avançada” e “doença”, só passando a levar em conta o critério de “desemprego” após minhas denúncias.
5. O terceiro critério que a Comissão tem considerado é o de “número baixo”. Entretanto, em março/2004, a 1ª Câmara da Comissão (em que tramitava meu pedido) pautou, sob essa exclusiva alegação, o julgamento dos processos 8.498, 7.749, 5.805, 4.268. De uma vez só, entraram quatro processos de número bem mais alto que o meu, caracterizando preterição em meu detrimento.
6. Por estar desempregado desde dezembro/2003, com dependentes desatendidos e atrasando o pagamento das pensões judiciais que me competiam, não recebendo sequer resposta aos e-mails que enviava à Comissão de Anistia, recorri em junho/2004 ao Ministério Público Federal, à Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e à Ouvidoria Geral da União, que acolheram minhas denúncias e abriram procedimentos para apurá-las.
7. O julgamento da minha anistia foi finalmente marcado para a sessão ordinária de 23/08/2004. Logo na abertura da sessão, o relator Márcio Gontijo comunicou que não tivera tempo de preparar o relatório (!), mas o faria para o julgamento seguinte.
8. A promessa não foi cumprida nem nas sessões extraordinárias de 31/08/2004 e 07/10/2004, nem na ordinária de 28/09/2004;
9. Em 27/09/2004 escrevi carta aberta ao ministro da Justiça, relatando as arbitrariedades que a Comissão de Anistia vinha praticando contra mim. Ele não respondeu.
10. Também em 27/09/2004, recebi e-mail da Ouvidoria Geral da União, trazendo as justificativas da Comissão de Anistia. Inconsistentes: alegou que “idade” passou de 3º para 1º lugar na hierarquia de critérios para marcação de julgamentos por força do Estatuto do Idoso (além de ser juridicamente duvidosa, esta linha de argumentação implicaria que se cometem erros crassos na elaboração de portarias interministeriais) e que “doença” está sendo priorizada por “razões humanitárias” (as quais, evidentemente, não têm mais força legal que a portaria 447);
11. Intensifiquei as denúncias à imprensa, ONGs, entidades ligadas aos direitos humanos e ao Congresso Nacional (alguns parlamentares fizeram gestões junto ao MJ);
12. O julgamento do meu caso foi, finalmente, realizado na sessão ordinária de 26/10/2004. O relator reconheceu que eu havia sido duplamente atingido em meus direitos pela ditadura: sofrera prisão e tortura como todos, e fora um caso raro de combatente coagido a um ato gerador de discriminação e preconceitos. Meu pedido foi parcialmente atendido, prescrevendo-se uma indenização em parcela única (cuja conversão em pensão vitalícia está sendo pleiteada na apelação ao plenário);
13. Relatório do II Exército sobre a campanha do Vale do Ribeiro, disponibilizado pelo site Resgate Histórico, comprova a versão que eu sempre sustentara e detalhei na polêmica travada com Marcello Rubens Paiva nas páginas da Folha de S. Paulo em 1994: não fui eu o delator da área de treinamento em que a repressão cercou Carlos Lamarca. Marcello se desculpou por e-mail. O historiador Jacob Gorender reconheceu por carta (publicada em 30/12/2004 no “Painel do Leitor” da Folha de S. Paulo, que nenhuma responsabilidade me cabe pela entrega ao DOI-Codi da área ativa, cuja localização eu nem sequer conhecia.
14. Minhas denúncias ao Ministério Público Federal acabam gerando, em março/2005, uma representação do procurador-geral Lucas Rocha Furtado ao ministro-presidente do Tribunal de Contas da União, em que pede uma fiscalização do programa de anistia federal para “aferir a regularidade, sob os primas legal e constitucional”, das indenizações financeiras concedidas, pois estariam sendo feridos os princípios constitucionais da indisponibilidade do interesse público, da isonomia e da razoabilidade.

lungaretti@uol.com.br