terça-feira, março 14, 2006

"Elementar meu caro Watson"

Enviado por nosso amigo do Rio de Janeiro e membro do MBNE Cel. Saint-Clair Paes Leme .
O CASO DOS FUZIS EVANESCENTES

Passava um pouco das 17:00. Watson sorveu mais um gole de seu Earl Grey, pousou a chávena na mesinha baixa utilizada todas as tardes para o serviço de chá provido por Mrs Hudson, e rompeu o silêncio até então reinante no 221-B de Baker Street:
-“Então, Holmes, acredita que os fuzis serão recuperados pelo Exército?”.
O detetive, que já ingerira seu Orange Pekoe, enchia de fumo Borkum Riff o volumoso cachimbo Inderwick from Carnaby Street. Acendeu-o com um comprido palito de fósforo, tirou longa baforada, mirou através da janela o início do belo pôr-do-sol, típico de março, prenúncio de Primavera, e deu partida a suas reflexões, num murmúrio que mais parecia conversa com seus botões do que resposta ao velho amigo e assistente.
- “Desnecessário descrever a caótica situação a que chegou a segurança pública na cidade, fruto da incúria de sucessivas administrações locais e provinciais... Era audível o clamor popular por uma intervenção não mais da milícia, imersa em descrença e suspeição, mas de tropas federais... Estas, a seu turno, solapadas ininterruptamente, de diferentes formas, nas duas últimas décadas, por inconformismo político dos que as sucederam no poder, e sucateadas a ponto de lhes faltarem até mesmo víveres para os estômagos de suas tropas, desceram ao mais baixo patamar de auto-estima... Pressão maior ainda vinham sofrendo da sociedade, por estarem sendo empregadas no estrangeiro, a custos impensáveis e benefícios invisíveis para os contribuintes, em tarefas idênticas às que lhes caberia talvez executar por aqui... Impunha-se, pois, evocarem analogia com a mulher de César – não bastava saberem-se capazes de impor a ordem e a autoridade, era mister demonstrarem ao povo essa capacidade... Mas como fazê-lo, se lhes é vedado, por lei, moverem-se de ofício? Se só podem agir quando premidas por fatos graves, por solicitação ou determinação dos poderes civis a que se subordinam? E dentro dessa ordem de idéias... não poderia o primeiro mandatário do País intervir na Província, aplicando-as em funções policialescas, sob pena de cometer suicídio político nestas bandas... Nem poderia a líder provincial, pelas mesmas razões, desmerecer suas milícias, substituindo-as pelo Exército... E muito menos o Alcaide local – poder desarmado – teria força para tanto... Mas... Raciocinemos agora na ordem hierárquica inversa... Sabemos ser, o Alcaide, capaz de engendrar estratagemas dignos de Metternich... E mais agora, quando se aproxima grande evento desportivo internacional que por aqui transcorrerá, sob sua responsabilidade direta, e sobre o qual pesa ainda grande temor – precisamente a segurança dos partícipes... Naturalmente, terá ele se recordado de outros grandes encontros multinacionais aqui sediados nos últimos quinze anos, em que a paz reinou, precisamente, pelo emprego das tropas federais – pax bellica, diria... tão aplaudida pelos eleitores...Seria, pois, conveniente alertar desde já os marginais com uma amostra do que se intenta para daqui a um ano, no que tange à segurança pública...Nada mais propício, portanto, do que um grande ensaio...Mas para tanto, era fundamental um leit-motif, ou seja, algo que, sem imputar características intervencionistas aos poderes federal e provincial, permitisse a saída das tropas às ruas, em colaboração com as milícias, rigorosamente dentro da lei...E a lei o permite, em determinados casos...como, por exemplo, quando do assalto a casernas para expropriação de material bélico...”
- “E assim, as castanhas seriam tiradas do fogo não pelo Alcaide, ou pela líder provincial, ou pelo... Mas Holmes! By Jove! - bradou Watson, atônito – “Não queres dizer que os fuzis...”.
- “... não foram exatamente roubados?” – completou o detetive. E prosseguiu:
- “Lembra-te de que a ação das tropas foi oficialmente aprovada pelo primeiro mandatário, pelo Ministro das Armas, pela dirigente provincial.... e pela opinião pública... Reparaste que a intervenção vem se expandindo, sob vários aspectos, lenta e gradualmente, há sete dias, sem recuar um milímetro? Leste hoje a entrevista, num dos mais importantes de nossos diários, do chefe militar responsável pelas operações, deixando claro, para quem quiser ouvir, que suas forças estão prontas para o que der e vier ?”
- “De fato, é estranho que os chefões do crime não tenham ainda mandado devolver os fuzis evanescentes, para com isso fazerem cessar a intervenção, que já lhes causa considerável prejuízo na venda de entorpecentes...”
- “E mais”, prosseguiu Holmes – “precisariam eles assaltar uma caserna para apossar-se de dez fuzis ? Não lhes seria mais conveniente continuar a munir-se em suas tradicionais fontes contrabandistas, em quantidades bem mais significativas? Por que se arriscariam a provocar situação que afetaria duramente seus lucros escusos? E não lhes causa também certa estranheza conhecerem os assaltantes tão bem o interior da caserna, a ponto de se darem o luxo de escapulir pela porta da frente, sem preocupações maiores?”
- “Mas Holmes, e como terminará tudo isso ? Não há dinheiro capaz de manter tal aparato nas ruas por tanto tempo...Não estão as forças empobrecidas ? E finda a intervenção, voltará tudo a ser como dantes no quartel de Abrantes? Herdará o Inspetor Lestrade o oneroso encargo de manter doravante a efêmera paz de que desfrutamos nesses dias ?
-“Meu caro Watson, há, naturalmente, o receio, por parte de alguns incomodados, de que, sob a alegação de que a tarefa ainda não foi cumprida, a intervenção se perenize, para gáudio da maior vítima do descaso dos políticos – a população, que (sobre)vive à mercê de marginais impunes...Mas tal não ocorrerá, podes estar seguro. Tão logo surjam os fuzis, estejam onde estiverem, as tropas se recolherão a seus quartéis e devolverão o controle dos marginais aos agentes de Lestrade. Não terão solucionado o antigo problema da violência, mas terão deixado clara e eloqüente mensagem, a políticos e eleitores, que estará presente nas mentes destes quando acorrerem às urnas, no pleito geral que se avizinha.”
-“Referes-te a algo contido nesse livro que estás a folhear?”
Holmes serviu-se de generosa dose de seu sherry, que vertera em seu cálice de cristal favorito. Tirou mais uma baforada do cachimbo e, com um sorriso entre irônico e complacente, abriu o livreto, em cuja lombada constava o nome do autor – afamado conselheiro político italiano quinhentista – e leu pausadamente:

“Da tísica dizem os médicos que, a princípio, é fácil de curar e difícil de conhecer, mas com o correr dos tempos, se não for reconhecida e medicada, torna-se fácil de conhecer e difícil de curar”.
Assim se dá com as coisas do Estado: conhecendo-se com antecedência os males que nascem em seu interior, o que não é dado senão aos homens prudentes, devem ser eles sanados sem tardança; mas quando, por não haverem sido reconhecidos a tempo, negligencia-se o seu conhecimento até o ponto em que qualquer um possa percebê-los, contra ele não há mais remédio".

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Para mim, isto é apenas jogo de palavras. Na realidade, só não há remédio para a morte. Sinto discordar, mas acho um belo texto baixo astral. Que tal chamar o detetive M.Poirot para opinar? Ele diz que todo crime pode ter solução, mesmo que os criminosos estejam mortos há muitos anos. Quanto mais com os criminosos aí bem vivos. Acredito na solução quando se quer achar!!!
Heloisa.

terça-feira, março 14, 2006 3:12:00 AM  
Blogger Homero Moutinho Filho said...

Concordo amiga Heloisa
É um tanto "conformista" no final . Requer mais atenção e ótica mais de "Harry Porter"!Rsss...
Abração
Homero

terça-feira, março 14, 2006 3:23:00 AM  

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